Trecho extraído de:
FORBELONI, J. (et all). Proletarização do trabalho docente. Cadernos de Educação, Universidade Tuiuti: Paraná, 2007.
Trabalho e mais-valia
O homem capitalista foi, aos poucos, perdendo a verdadeira relação da produção e do trabalho, pois ao valorizar as coisas criadas, acabou esquecendo que é ele próprio quem as cria. Neste mundo, a liberdade está ligada à obtenção de bens de consumo, feliz é o homem que tem posses.
Em MARX (1998) as sociedades regidas pela produção capitalista enriquecem acumulando capitais. A mercadoria é um objeto externo ao homem que satisfaz suas necessidades, desde as mais indispensáveis até as mais fúteis. Ela é um produto detentor de valor, isto é, cada coisa útil assume os aspectos de qualidade e quantidade. É a utilidade que gera o valor-de-uso e, nas sociedades capitalistas, ela serve de veículo material de valor-de-troca.
As mercadorias, na realidade, não são apenas “produtos”, são valores. Nesta análise Marx revela que o valor de uso é inteiramente determinado pelas condições do mercado e o valor de troca não é somente o preço, como parece à primeira vista. Assim, o valor da mercadoria é determinado pela quantidade de tempo de trabalho necessário para produzi-la. Nesta noção de tempo está incluída o tempo dispensado na fabricação, o trabalho necessário para produzir as máquinas, o tempo para extrair e transportar a matéria prima etc. Como parte do chamado “custo de produção” tem-se o salário pago pelo tempo de trabalho do trabalhador. Marx aponta então para o fato de que a mercadoria não é uma “coisa”, mas trabalho social concentrado. E em todos esses valores se encontra o tempo de trabalho não remunerado, que é a mais-valia. Para Marilena CHAUÍ (1989), é graças à mais-valia que a mercadoria acabou se tornando um valor capitalista, ocultando o fato de que há exploração econômica.
Ao “desconstruir” o que é a mercadoria, Marx (1998) acaba demonstrando a forma real da relação social entre o proprietário dos meios de produção e o trabalhador. A alienação do trabalhador é o fato de que esse não reconhece mais o produto de seu trabalho, pois as formas de produção e os valores não dependem dele, mas daquele que detém os meios de produção. O produto se torna algo distante, dotado de um poder que domina e ameaça. É o “fetiche da mercadoria”. A sociedade capitalista percebe a mercadoria como algo dotado de valor de uso (utilidade) e valor de troca (preço) e não como resultado das relações de produção, o que encobre a verdadeira relação social: o trabalho.
O trabalhador, para Marx (1998), é também visto neste processo como uma “coisa”, pois vende sua força de trabalho em troca de outra “coisa”, o salário. A alienação e o fetichismo retiraram o lado humano das mercadorias e inverteram a realidade, uma vez que o social virou coisa e a coisa virou social. Explicando melhor, as coisas produzidas e as relações entre elas – produção, distribuição, circulação, consumo – se humanizaram e passaram a controlar as relações sociais. Os homens se tornaram um suporte dessas operações, transformando-se, também, em meras “coisas”.
Ainda como característica do processo capitalista do trabalho, Marx destaca a divisão entre trabalho manual e intelectual. Todo trabalho envolve atividades mentais, porém o trabalho considerado intelectual ganha um status superior ao trabalho manual, pois o primeiro “concebe” enquanto que o segundo “executa”. O trabalhador que se tornou cativo do trabalho manual apenas executa as atividades, organizadas, elaboradas, pensadas pela outra classe de trabalhadores intelectuais.
Esta separação gera várias outras interpretações que infelizmente não podemos ressaltar neste artigo. Com o intuito de demonstrar a exploração do trabalho dos professores, iniciaremos um paralelo explicativo sobre a mais-valia da sala de aula.
Diante de todas as mazelas da sociedade, e frente a todos os problemas da nação, nenhum é de maior importância e gravidade do que o da Educação. Falar de Educação é também discutir o papel do profissional da educação. O educador, ou professor, como é comumente denominado, está inserido neste contexto capitalista e como qualquer profissional sofre as indiferenças e explorações do “valor trabalho”.
A Mais-Valia na sala de aula.
Muitos falam que a profissão do professor é um trabalho intelectual, pois onde está o seu produto, ou melhor, sua mercadoria? Visto desta forma, o professor deveria possuir os meios de produção para conceber as formas de ensino, mas o que vemos é uma mera execução de práticas pedagógicas. Ele não pertence nem a classe dominante, mas também não pode ser considerado um trabalhador manual. Possui certa autonomia, pois suas atividades exigem conhecimentos científicos, mas estão subordinados.
Historicamente podemos notar que o “professorado” se submeteu a lógica do capital e foram, gradativamente, afastados da tomada de decisões sobre os conteúdos de suas disciplinas, debates pedagógicos ou ainda a própria estrutura do ensino. Sob o prisma marxista, esta é a proletarização do trabalho docente, afinal eles recebem salário como forma de pagamento.
Como assalariados, podemos traçar um paralelo muito parecido com a classe operária e procurar onde está a mais-valia. O professor ganha um valor determinado chamado de hora/aula. Independente do número de alunos colocados dentro da sala de aula, o valor remunerado da hora trabalhada pelo professor não se altera. Refletindo sobre o ensino privado, onde esta realidade é ainda mais espantosa, nota-se que o profissional da educação é um operário. O chamado da “fábrica” é o sinal que limita o tempo das aulas, a diretoria da escola é o seu patrão, há cartão ponto, certo controle sobre os conteúdos abordados, apostilas prontas, prazos de entrega de notas, avaliações, seu instrumento de trabalho – o guarda pó e o giz. Se o professor recebesse pelo número de alunos que colocam em cada sala de aula, o patrão não teria lucro, não conseguiria a mais-valia.
Além de tudo isto, ainda há um outro lado, como reprodutores do conhecimento, os professores servem aos desejos capitalistas ensinando as ideologias dominantes, qualificando a mão-de-obra para o mercado de trabalho. E o que dizer da alienação do professor? Quantos destes conseguem se enxergar no produto final – o aluno? Ele não se percebe como agente transformador porque tem reproduzido os mesmos conteúdos, dia após dia, alienando-se. O aluno se torna algo distante dotado de poder que domina e ameaça. Como valor de uso e valor de troca o professorado se tornou “coisa”.
É fácil analisar e falar da exploração quando parece que ela não está à sua porta. Muito se diz e pouco se faz, talvez porque a maioria dos educadores não parou para observar o quanto a profissão de professor é afetada pela dinâmica do capital. Anos de conformismo e pouca iniciativa descaracterizaram-nos como classe trabalhadora. No Brasil esta desvalorização demonstra a incapacidade de organização e reivindicação por parte dos proletariados da educação.
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